Escrito por Anna Hirsch Burg - Psicanalista
Responda rápido: o que dói mais ao ciumento, a descoberta ou a desconfiança? O ciúme é um sentimento tão complexo, que assim como acontece nas fobias e pânicos, pode acabar sendo mais torturante na imaginação do que na realidade. Claro que a descoberta de ser traído é muito dolorosa e, certamente, a maior que um ser humano pode sentir nos assunto do coração. Mas imaginar a traição pode - por incrível que pareça -, gerar dores e angústias equivalentes.
Muitos de vocês, provavelmente, me diriam que é menos doloroso imaginar uma traição e suas tramas do que, de fato, desvendá-la. Mas em casos patológicos, como na paranoia, a expectativa de um determinado desfecho que não se configura, e o que é pior, se adia, acaba se tornando a mais insuportável das angústias.
Na imaginação do ciumento martelam os inúmeros "detalhes" da suposta traição. Ele realmente acredita e sente que está sendo traído. "Com quem meu parceiro está me traindo? Quando serei trocada (o) por outra (o) que lhe dê mais alegria e amor?". O ciumento patológico arquiteta horas e horas por dia. Sua atividade cerebral é, muitas vezes, monotemática: pensa o tempo todo como e quando irá flagrar a situação que tanto se adia. Quando descobre algo - se é que descobre - pode sentir uma forma de alívio num primeiro momento. Nesse contexto há também o fim de relacionamentos sem a menor possibilidade de diálogo ou de perdão e os graves casos de crimes passionais.
As cenas podem ser clássicas: a mulher checa recados ambíguos no celular, fuça nos bolsos ou na carteira, investiga a movimentação do parceiro nas redes sociais. Quanto ciúme não pode gerar uma "nova amiga"?
Justiça seja feita. Pela maneira como estou escrevendo, até parece que o ciúme é exclusividade das mulheres. Não é. O sentimento é apenas menos alardeado entre os homens educados para dissimular os sentimentos. Como bem cantou Roberto Frejat, "Homem não chora nem por dor nem por amor". Talvez você não veja suas lágrimas, mas se possuísse algum tipo de raios-X do sofrimento, saberia que eles também se corroem (tanto ou mais) quando imaginam algum opositor.
É preciso, no entanto, esclarecer que existem diferenças entre o ciúme feminino e o masculino. As mulheres sentem, primordialmente, ciúme do sentimento que outras mulheres podem desencadear no parceiro, das trocas afetivas. No caso do homem, há uma preocupação relativa à sua virilidade. É primordialmente doloroso para eles imaginar o relacionamento sexual entre sua parceira e outro macho que a possa satisfazer.
Origem do ciúme
Mas, afinal, de onde vem o ciúme? Como ele é gestado dentro de nós? Porque mesmo estando tudo bem entre um casal, se instala entre eles o velho e encrenqueiro ciúme?
Do ponto de vista da psicanálise, sua origem está no primeiro par formado por nós, seres humanos: a dupla mãe e filho. O sentimento de completude que o bebê sente nos braços da mãe passa por um fracasso natural ao longo do tempo. O filho percebe que o desfile de outras pessoas em sua frente demonstra que, na verdade, não é apenas com ele que a mãe se realiza. Dizemos que logo nos primeiros anos, a criança vivencia o ciúme no triângulo formado por ela, a mãe e o pai. E na falta deste, algo ou alguém que desvie o olhar materno, como irmãos, ou o trabalho. Na verdade, há uma variedade de outras situações que indicam à pequena criança que a mãe, ao desviar o olhar, encontra satisfação em outro lugar.
Em outras palavras, não há criança que não tenha sentido ciúmes no início de seu desenvolvimento psíquico, e esse é o percurso natural em nossa constituição como adultos, capazes de suportar frustrações e faltas na vida. Quando crianças, já temos a dimensão de que podemos ser "trocados" por outra pessoa. É um dos sentimentos mais dolorosos que um ser humano pode sentir. A forma de cada criança viver esse sentimento de exclusão influenciará toda sua estrutura psíquica, determinando, na vida adulta, como essa pessoa irá se posicionar frente ao amor e viver a fantasia de ser amada ou rejeitada.
Não há comportamento de mãe ou de pai que possa evitar isso, pois não escapamos ao inegável. Sim, todo mundo deseja, de alguma maneira, ser um grudado com o outro. No entanto, isso é impossível: não nascemos siameses e cada um de nós deve dar conta de sua incompletude.
No estado de paixão, inconscientemente, cada um dos membros do casal revive a sensação de completude resgatada da dupla mãe e filho. A felicidade sentida é imensa e, junto com ela, o medo de perder o outro. Com o passar do tempo, a ilusão de exclusividade do amor desmorona, assim como acontece no primeiro triângulo de nossas vidas. A lua de mel precisa acabar em algum momento, e cada um dos membros volta seu olhar para outra coisa para além do parceiro amoroso.
Apesar de estarmos falando de uma construção muito inconsciente, é possível afirmarmos que a maneira com que cada criança vive essa fase da percepção do triângulo vai desenhar a presença do ciúme em sua relação amorosa na vida adulta. É por isso que, em maior ou menor grau, todo ser humano sente ciúmes quando se relaciona amorosamente.
Mas a questão que se coloca é a da intensidade desse sentimento. Existe o "ciúme normal", em que não se quer perder o outro, mas apesar disso, se estabelece uma relação de confiança mútua. Mas existe também o "ciúme delirante". Para o paranóico, tudo que acontece tem relação com ele ou com seu tema central. Por isso os vemos construindo um mundo próprio em que sempre têm razão. Quando o paranóico acha que está sendo traído, desconfia de todos, inclusive daquele que o tenta convencer do contrário. Neste caso, infelizmente, estamos diante do ciúme patológico, e que dificilmente será dissipado sem ajuda terapêutica.
Há ainda, além dos "normais" e dos paranóicos, aqueles que evitam o relacionamento para se defender da possibilidade de sentir as intempéries do amor.Psicanálise à parte, acho perfeita a frase de Stendhal: "Para que um bom relacionamento continue e seja agradável, é preciso não apenas suspeitar prudentemente como ocultar discretamente a suspeita".
Enfim, que atire a primeira pedra quem nunca sentiu, nem um pouquinho que seja, esse tal de ciúme!